Opinião

Quinze pasteis e um infortúnio inesquecível

Por Eduardo Ritter
Professor do Centro de Letras e Comunicação da UFPel
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Rapazes e raparigas. Passei por poucas e boas, dias atrás. Tudo começou quando eu comi uns pasteizinhos que a moça da padaria do supermercado em que comprei garantiu que não ia ovo no recheio. Mas ela não garantiu nada sobre a massa. Com os olhos grandes e a barriga vazia, não resisti: manda. Acontece que, como já comentei aqui, sou alérgico a ovo. Foi então que tudo começou.

Na fila do caixa, comi os 15 pasteizinhos que, provavelmente, continham ovo na massa. Sim, QUINZE. Ok, fui esganado. Cai no pecado da gula e paguei caro por isso. E, assim que terminei, meu drama começou. Como tantas vezes na vida, passei mal. O problema é que, dessa vez, não melhorei no dia seguinte e fui parar no plantão do hospital. Após soro e medicação na veia, voltei pra casa, porém, não melhorei de novo. Absolutamente nada parava em meu estômago. Não tinha nem filtro: eu tomava água por cima, saia por baixo em menos de dois minutos. Praticamente não dormi e não comi nada por dois dias. Fui me pesar e, no período de três dias, havia perdido quatro quilos. Jesus, e como doía a barriga e o corpo inteiro... Não conseguia nem pensar. Não tinha forças para nada. É o fim, imaginei. Sem conseguir comer, nem beber, e colocando até as tripas para fora, não tem cristão que resista...

Voltei para o plantão. Contei minha triste história para outra médica. Novamente fui para a salinha da enfermagem receber soro e remédio na veia. Dessa vez fiquei lá quase o dia inteiro. Deixei o hospital já no início da noite com uma penca de medicações receitadas. Comecei a tomar e, aos poucos, fui melhorando, até conseguir ter energia para me sentar na frente do computador e escrever essas mal traçadas linhas.

Passando por isso, lembrei de duas das crônicas que mais marcaram minha vida. A primeira foi escrita pelo Luis Fernando Veríssimo, após ele ficar quase um mês em coma em 2012. Infelizmente não encontrei esse texto na íntegra online, mas recordo que ele comenta da experiência de quase morte e das vozes cavernosas que chegou a ouvir enquanto estava inconsciente no hospital. A outra é "Quando quis morrer", do David Coimbra. Se não me engano foi a última crônica escrita por ele antes de, de fato, morrer. Vítima de câncer, ele escreveu, em 2022: "Foi exatamente essa reunião da fraqueza com as dores e com o mal-estar, todos agindo de forma permanente, que me tirou a vontade de viver". Fiquei pensando como ele, que estava prestes a morrer, provavelmente ainda sem forças e com dores insuportáveis, conseguiu escrever aquele texto?

Passando pelo meu pequeno infortúnio, penso que não teria a força que eles tiveram para escrever em tais condições. Eu esperei estar com o mínimo de energia para voltar a escrever, mas se não tivesse melhorado, certamente eu definharia sem dar notícias para ninguém. Quando estava no terceiro dia sem comer e sem beber, só colocando tudo para fora, eu não conseguia pensar em absolutamente nada além de me livrar daquele sofrimento físico. Todos os problemas financeiros, de relacionamento, de falta de tempo para ler o tanto quanto eu gostaria, brigas, picuinhas, enfim, absolutamente tudo ficou em segundo plano. E, mesmo em um grau infinitamente menor do que o relatado no texto do David, eu de certa forma consegui entender o que de fato ele quis dizer na sua última crônica. É, rapazes e raparigas, a vida às vezes pode ser dura. De qualquer forma, desejo um bom final de semana, com muita saúde e longa vida a todos.

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